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10 de set. de 2013

Marília de Dirceu - trechos escolhidos


Dividido em liras que a partir da publicação do poema em livro, em 1792, foram declamadas, musicadas e cantadas em serestas e saraus pelo Brasil afora. Referindo-se à lira III da parte III, Manuel Bandeira escreveu : "Nessa lira esqueceu o Poeta a paisagem e a vida européia, os pastores, os vinhos, o azeite e as brancas ovelhinhas, esqueceu o travesso deus Cupido, e a sua poesia reflete com formosura a natureza e o ambiente social brasileiro, expressos nos termos da terra com um fino gosto que não tiveram seus precursores".

Existem três fatores básicos que contribuíram para a individualidade poética de Gonzaga: o romance com a menina Maria Dorotéia; a prisão injusta e brutal, como inconfidente; e a magia da natureza e do clima tropical.

A obra se divide em duas partes (há uma terceira, cuja autenticidade é contestada por alguns críticos): 

Na 1ª parte estão os poemas escritos na época anterior à prisão do autor. Nela predominam as composições convencionais, as características arcádicas: o pastor Dirceu celebra a beleza de Marília em pequenas odes anacreônticas. Em algumas liras, entretanto, as convenções mal disfarçam a confissão amorosa do amor: a ansiedade de um quarentão apaixonado por uma adolescente; a necessidade de mostrar que não é um qualquer e que merece sua amada; os projetos de uma sossegada vida futura, rodeado de filhos e bem cuidado por suas mulher etc. Nesta 1ª parte das liras o autor denota preferência pelo verso leve, tratado com facilidade.

Já a 2ª parte (e a terceira, se autêntica), foi escrita na prisão da ilha das Cobras, e os poemas exprimem a solidão de Dirceu, saudoso de Marília. Encontramos aí a melhor poesia de Gonzaga. Entende-se aqui que as características pré-românticas se fazem sentir mais agudamente. O sentimento da injustiça, da solidão, da saudade de Marília, o temor do futuro e a perspectiva da morte rompem constantemente o equilíbrio clássico. As convenções, embora ainda presentes, não sustentam o equilíbrio neoclássico. O tom confessional e o pessimismo prenunciam o emocionalismo romântico. Nesta 2ª parte das liras, há o emprego do verbo no passado: o poeta vive de lembranças e recordações passadas. 

Em Marília de Dirceu, há a refinada simplicidade neoclássica: uma dicção aparentemente direta e espontânea, cheia de imagens graciosas e de alegorias mitológicas; um ritmo agradável, suavizado pelos versos curtos, pela alternância de decassílabos e hexassílabos, pelo uso do refrão e dos versos brancos.

A estrutura métrica das liras são a versificação pouco variada e, a par dos versos de quatro sílabas, melhor ditos células métricas, vêm a redondilha menor, com acentuação na 2ª e 5ª sílabas; o heróico quebrado, sempre em combinação; a redondilha maior; o decassílabo.


Trecho retirado do site: www.passeinaweb.com



Lira XXVII



Cupido tirando

Dos ombros a aljava

Num campo de flores

Contente brincava.



E o corpo tenrinho

Depois, enfadado,

Incauto reclina

Na relva do prado.



Marília formosa,

Que ao Deus conhecia,

Oculta espreitava

Quanto ele fazia.



Mal julga que dorme

Se chega contente,

As armas lhe furta,

E o Deus a não sente.



Os Faunos, mal viram

As armas roubadas,

Saíram das grutas

Soltando risadas.



Acorda Cupido,

E a causa sabendo,

A quantos o insultam

Responde, dizendo:



"Temíeis as setas

"Nas minhas mãos cruas!

"Vereis o que podem

"Agora nas suas."



Lira I, parte 1 



Eu, Marília, não sou algum vaqueiro, 

Que viva de guardar alheio gado, 

De tosco trato, de expressões grosseiro, 

Dos frios gelos e dos sóis queimado. 

Tenho próprio casal e nele assisto; 

Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;

Das brancas ovelhinhas tiro o leite, 

E mais as finas lãs, de que visto. 



Graças, Marília bela, 

Graças à minha Estrela! 



Eu vi o meu semblante numa fonte, 

Dos anos inda não está cortado; 

Os Pastores, que habitam este monte, 

Respeitam o poder do meu cajado. 

Com tal destreza toco a sanfoninha, 

Que inveja até me tem o próprio Alceste: 

Ao som dela concerto a voz celeste 

Nem canto letra que não seja minha. 



Lira XII, parte 2 



... Quando levares, Marília, 

Teu ledo rebanho ao prado, 

Tu dirás: Aqui trazia 

Dirceu também o seu gado. 

Verás os sítios ditosos 

Onde, Marília, te dava 

Doces beijos amorosos 

Nos dedos da branca mão. 



Mandarás aos surdos Deuses 

Novos suspiros em vão. 



Quando à janela saíres, 

Sem quereres, descuidada, 

Tu verás, Marília, a minha 

E minha pobre morada. 

Tu dirás então contigo: 

Ali Dirceu esperava 

Para me levar consigo; 

E ali sofreu a prisão. 



Mandarás aos surdos Deuses 

Novos suspiros em vão. 



Lira XV, parte 2 



Eu, Marília, não fui nenhum Vaqueiro, 

Fui honrado Pastor da tua Aldeia; 

Vestia finas lãs e tinha sempre 

A minha choça do preciso cheia. 

Tiraram-me o casal e o manso gado,

Nem tenho, a que me encoste, um só cajado. 



Para ter que te dar, é que eu queria 

De mor rebanho ainda ser o dono;

Prezava o teu semblante, os teus cabelos 

Ainda muito mais que um grande Trono. 

Agora que te oferte já não vejo, 

Além de um puro amor, de um são desejo. 



Lira XIV – parte 1 



Minha bela Marília, tudo passa;

A sorte deste mundo é mal segura;

Se vem depois dos males a ventura,

Vem depois dos prazeres a desgraça

Estão os mesmos deuses

Sujeitos ao poder do ímpio Fado:

Apolo já fugiu do Céu brilhante,

Já foi Pastor de gado.

(...)

Ah! Enquanto os destinos impiedosos

Não voltam contra nós a face irada,

Façamos, sim, façamos, doce amada,

Nossos breves dias mais ditosos.

Um coração, que, frouxo,

A grata posse de seu bem difere

A si, Marília, a si próprio rouba,

A si próprio fere.

Ornemos nossas testas com flores

E façamos de feno um brando leito

Prendamo-nos, Marília, em laço estreito,

Gozemos do prazer de sãos Amores.

Sobre as nossas cabeças,

Sem que o possam deter o tempo corre;

E para nós o tempo, que passa,

Também, Marília, morre.



Lira III – parte 3



Tu não verás, Marília, cem cativos

Tirarem o cascalho, e a rica, terra,

Ou dos cercos dos rios caudalosos, 

Ou da minada serra.

Não verás separar ao hábil negro

Do pesado esmeril a grossa areia,

E já brilharem os granetes de ouro 

No fundo da bateia.

Não verás derrubar os virgens matos;

Queimar as capoeiras ainda novas;

Servir de adubo à terra a fértil cinza; 

Lançar os grãos nas covas.

Lira XIX – parte 2

Nesta triste masmorra,

De um semivivo corpo sepultura,

Inda, Marília, adoro

A tua formosura.

Amor na minha ideia te retrata;

Busca extremoso, que eu assim resista

À dor imensa, que me cerca, e mata.

Quando em eu mal pondero,

Então mais vivamente te diviso:

Vejo o teu rosto, e escuto

A tua voz, e riso.

Movo ligeiro para o vulto os passos;

Eu beijo a tíbia luz em vez de face;

E aperto sobre o peito em vão os braços.

Lira II – parte 2



Esprema a vil calúnia muito embora

Enter as mãos denegridas, e insolentes,

Os venenos das plantas,

E das bravas serpentes.

Chovam raios e raios, no meu rosto

Não hás de ver, Marília, o medo escrito:

O medo perturbador,

Que infunde o vil delito.

Podem muito, conheço, podem muito,

As fúrias infernais, que Pluto move;

Mas pode mais que todas 

Um dedo só de Jove.

Este Deus converteu em flor mimosa,

A quem seu nome dera, a Narciso;

Fez de muitos os Astros,

Qu'inda no Céu diviso.

Ele pode livrar-me das injúrias

Do néscio, do atrevido ingrato povo;

Em nova flor mudar-me,

Mudar-me em Astro novo.

Porém se os justos Céus, por fins ocultos,

Em tão tirano mal me não socorrem;

Verás então, que os sábios,

Bem como vivem, morrem.

Eu tenho um coração maior que o mundo!

Tu, formosa Marília, bem o sabes:

Um coração..., e basta,

Onde tu mesma cabes.



Lira XXVI



Alexandre, Marília, qual o rio,

Que engrossando no inverno tudo arrasa,

Na frente das coortes

Cerca, vence, abrasa

As cidades mais fortes.

Foi na glória das armas o primeiro;

Morreu na flor dos anos, e já tinha

Vencido o mundo inteiro.



Mas este bom soldado, cujo nome

Não há poder algum, que não abata,

Foi, Marília, somente

Um ditoso pirata,

Um salteador valente.

Se não tem uma fama baixa, e escura,

Foi por se pôr ao lado da injustiça

A insolente ventura.



O grande César, cujo nome voa,

À sua mesma Pátria a fé quebranta;

Na mão a espada toma,

Oprime-lhe a garganta,

Dá Senhores a Roma.

Consegue ser herói por um delito;

Se acaso não vencesse, então seria

Um vil traidor proscrito.



O ser herói, Marília, não consiste

Em queimar os Impérios: move a guerra,

Espalha o sangue humano,

E despovoa a terra

Também o mau tirano.

Consiste o ser herói em viver justo:

E tanto pode ser herói pobre,

Como o maior Augusto.



Eu é que sou herói, Marília bela,

Segundo da virtude a honrosa estrada:

Ganhei, ganhei um trono,

Ah! não manchei a espada,

Não roubei ao dono.

Ergui-o no teu peito, e nos teus braços:

E valem muito mais que o mundo inteiro

Uns tão ditosos laços.



Aos bárbaros, injustos vencedores

Atormentam remorsos, e cuidados;

Nem descansam seguros

Nos palácios cercados

De tropa, e de altos muros.

E a quantos nos não mostra a sábia história

A quem mudou o Fado em negro opróbrio

A mal ganhada glória.



Eu vivo, minha Bela, sim, eu vivo

Nos braços do descanso, e mais do gosto:

Quando estou acordado

Contemplo no teu rosto

De graças adornado:

Se durmo, logo sonho, e ali te vejo.

Ah! nem desperto, nem dormindo sobe

A mais o meu desejo.



Lira XXIV – parte 2

Eu vou, Marília, vou brigar co'as feras!

Uma soltaram, eu lhe sinto os passos;

Aqui, aqui a espero

Nestes despidos braços.

É um malhado tigre: a mim já corre,

Ao peito o aperto, estalam-lhe as costelas,

Desfalece, cai, urra, treme, e morre. 

Vem agora um Leão: sacode a grenha,

Com faminta paixão a mim se lança;

Venha embora; que o pulso

Ainda não se cansa.

Oprimo-lhe a garganta, a língua estira,

O corpo lhe fraqueia, os olhos incham,

Açoita o chão convulso, arqueja, e expira. 

Mas que vejo, Marília! Tu te assustas?

Entendes que os destinos inumanos

Expõem a minha vida

No circo dos Romanos?

Com ursos, e com onças eu não luto:

Luto c'o bravo monstro, que me acusa,

Que os tigres, e leões mais fero e bruto. 

Embora contra mim raivoso esgrima

Da vil calúnia a cortadora espada;

Uma alma, qual eu tenho,

Não se receia a nada. 

Eu hei de, sim, punir-lhe a insolência,

Pisar-lhe o negro colo, abrir-lhe o peito

Co'as armas invencíveis da inocência. 

Ah! quando imaginar, que vingativo

Mando que desça ao Tártaro profundo,

Hei de com mão honrada

Erguer-lhe o corpo imundo.

Eu então lhe direi: "Infame, indigno,

"Obras como costuma o vil humano;

"Faço, o que faz um coração divino."

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